domingo, 29 de junho de 2008

A arte de ouvir!

Precisamos admirar não só quem fala bonito mas quem escuta bonito!

De todos os sentidos, o mais importante para a aprendizagem do amor, do viver juntos e da cidadania é a audição. Disse o escritor sagrado: 'No princípio era o Verbo'. Eu acrescento: 'Antes do Verbo, era o silêncio.' É do silêncio que nasce o ouvir. Só posso ouvir a palavra se meus ruídos interiores forem silenciados. Só posso ouvir a verdade do outro se eu parar de tagarelar. Quem fala muito não ouve. Sabem disso os poetas, esses seres de fala mínima. Eles falam, sim. Para ouvir as vozes do silêncio. Veja esse poema de Fernando Pessoa, dirigido a um poeta: 'Cessa o teu canto! Cessa, que, enquanto o ouvi, ouvia uma outra voz como que vindo nos interstícios do brando encanto com que o teu canto vinha até nós. Ouvi-te e ouvia-a no mesmo tempo e diferentes, juntas a cantar. E a melodia que não havia se agora a lembro, faz-me chorar…' A magia do poema não está nas palavras do poeta. Está nos interstícios silenciosos que há entre as suas palavras. É nesse silêncio que se ouve a melodia que não havia. Aí a magia acontece: a melodia me faz chorar.
Não nos sentimos em casa no silêncio. Quando a conversa pára por não haver o que dizer, tratamos logo de falar qualquer coisa para pôr um fim no silêncio. Vez por outra, tenho vontade de escrever um ensaio sobre a psicologia dos elevadores. Ali estamos, nós dois, fechados naquele cubículo. Um diante do outro. Olhamos nos olhos um do outro? Ou olhamos para o chão? Nada temos a falar. Esse silêncio é como se fosse uma ofensa. Aí falamos sobre o tempo. Mas nós dois bem sabemos que se trata de uma farsa para encher o tempo até que o elevador pare.
Os orientais entendem melhor do que nós. Esqueci-me do nome do filme. Duas velhinhas se visitavam. Por horas ficavam juntas, sem dizer uma única palavra. Nada diziam porque no seu silêncio morava um mundo. Faziam silêncio não por não ter nada a dizer, mas porque o que tinham a dizer não cabia em palavras. A filosofia ocidental é obcecada pela questão do Ser. A filosofia oriental, pela questão do Vazio, do Nada. É no Vazio da jarra que se colocam flores.
O aprendizado do ouvir não se encontra em nossos currículos. A prática educativa tradicional se inicia com a palavra do professor. A menininha, Andréa, voltava do seu primeiro dia na creche. 'Como é a professora?', sua mãe lhe perguntou. Ao que ela respondeu: 'Ela grita…' Não bastava que a professora falasse. Ela gritava. Não me lembro de que minha primeira professora, dona Clotilde, tivesse jamais gritado. Mas me lembro dos gritos esganiçados que vinham da sala ao lado. Um único grito enche o espaço de medo. Na escola a violência começa com ataques verbais.
Milan Kundera conta a estória de Tamina, uma garçonete. 'Todo mundo gosta de Tamina. Porque ela sabe ouvir o que lhe contam. Mas será que ela ouve mesmo? Não sei… O que conta é que ela não interrompe a fala. Vocês sabem o que acontece quando duas pessoas falam. Uma fala e lhe corta a palavra: 'É exatamente como eu, eu…' e começa a falar de si até que a primeira consiga por sua vez cortar: 'É exatamente como eu, eu…' Essa frase 'é exatamente como eu…' parece ser uma maneira de continuar a reflexão do outro, mas é um engodo. É uma revolta brutal contra uma violência brutal: um esforço para libertar o nosso ouvido da escravidão e ocupar à força o ouvido do adversário. Pois toda a vida do homem entre os seus semelhantes nada mais é do que um combate para se apossar do ouvido do outro…'
Será que era isso que acontecia na escola tradicional? O professor se apossando do ouvido do aluno (pois não é essa a sua missão?) com a força da autoridade e a ameaça de castigos, sem se dar conta de que no ouvido silencioso do aluno há uma melodia que se toca. Talvez seja essa a razão por que há tantos cursos de oratória, procurados por políticos e executivos, mas não haja cursos de escutatória. Todo mundo quer falar. Ninguém quer ouvir.
Todo mundo quer ser escutado. (Como não há quem os escute, os adultos procuram um psicanalista, profissional pago para escutar.) Toda criança também quer ser escutada. Encontrei, na revista pedagógica italiana Cem Mondialità, a sugestão de que, antes de se iniciarem as atividades de ensino e aprendizagem, os professores se dedicassem por semanas, talvez meses, a simplesmente ouvir as crianças. No silêncio das crianças há um programa de vida: sonhos. É dos sonhos que nasce a inteligência. A inteligência é a ferramenta que o corpo usa para transformar os seus sonhos em realidade. É preciso escutar as crianças para que a sua inteligência desabroche.
Sugiro então aos professores que, ao lado da sua justa preocupação com o falar claro, tenham também uma justa preocupação com o escutar claro. Amamos não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A escuta bonita é um bom colo para uma criança se assentar…


Rubem Alves



É boba, ela! tudo faz, tudo sabe, é linda, ó anjo de Domremy!

Dêem-lhe uma espada, constrói um reino ; dêem-lhe uma agulha, faz um crochê

Dêem-lhe um teclado, faz uma aurora, dêem-lhe razão, faz uma briga...!

E do pobre ser que Deus lhe deu, eu, filho pródigo, poeta cheio de erros

Ela fez um eterno perdido...

domingo, 23 de março de 2008

Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar

Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização

Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você...


(Chico Buarque)

quarta-feira, 5 de março de 2008

Despedida




***


E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.


Rubem Braga

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

"Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta.
O amor não é chegado em fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Você ama aquela petulante.
Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco. Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina o Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então? Então que ela tem um jeito de sorrir que o deixa mobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você.
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vem e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara? Não pergunte pra mim!
Você é inteligente, lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor. É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. É independente, tem emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível. Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados. Não funciona assim. Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC.
Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!

Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é!

Pense nisso..."
Arnaldo Jabor

domingo, 10 de fevereiro de 2008

É tudo uma questão de proporção...

As coisas devem ser bem grandes
Pra formiga pequenina
A rosa, um lindo palácio
E o espinho, uma espada fina

A gota d'água, um manso lago
O pingo de chuva, um mar
Onde um pauzinho boiando
É navio a navegar

O bico de pão, o corcovado
O grilo, um rinoceronte
Uns grãos de sal derramados,
Ovelhinhas pelo monte

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Como dizia o poeta



"Ai de quem não rasga o coração
Esse não vai ter perdão"

"Tudo quanto na vida eu tiver
Tudo quanto de bom eu fizer
Será de nós dois
Uma casa num alto qualquer
Com um jardim e um pomar se couber
Será de nós dois
E depois, quando a gente quiser
Passear, ir pra onde entender
Não importa onde a gente estiver
Estaremos a sós
E depois, quando a gente voltar
O menino que a gente encontrar
Será de nós dois
E de noite quando ele dormir
O silêncio do tempo a fugir
Será de nós dois
E por fim, quando o tempo fugir
E a saudade nos der de nós dois
E a vontade vier de dormir
Sem ter mais depois
Dormiremos sem medo nenhum
Pois aonde puder dormir um
Podem dormir dois..."

terça-feira, 1 de janeiro de 2008


"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um individuo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro
número e outra vontade de acreditar que daqui para frente... tudo vai ser diferente."